
Melhor do que falar do livro é pôr o livro a falar…
“A biografia do silêncio – Breve ensaio sobre meditação”, Pablo D’ors
Excertos…
Sentar-me a meditar, em silêncio e quietude, foi algo que comecei por minha conta e risco, sem que alguém me tenha dado quaisquer noções básicas ou me tenha acompanhado nesse processo. A simplicidade do método – sentar-se, respirar, calar os pensamentos… – e, sobretudo, a simplicidade da sua pretensão – reconciliar o homem com o que é − seduziram-me desde o princípio. Como sou de temperamento forte e perseverante, mantive-me fiel durante vários anos a esta disciplina de, simplesmente, me sentar e me recolher; depois, compreendi que se tratava de aceitar de bom grado o que viesse, fosse o que fosse.
Normalmente vivemos dispersos, quer dizer, fora de nós. A meditação concentra-nos, devolve-nos a casa, ensina-nos a conviver com o nosso ser. Sem essa convivência connosco mesmos, sem esse estarmos centrados no que realmente somos, parece-me ser muito difícil, para não dizer impossível, uma vida que se possa qualificar de humana e digna.
Para meditar não importa sentir-se bem ou mal, contente ou triste, esperançado ou desiludido. Qualquer estado de alma que se tenha é o melhor estado de alma possível nesse momento para fazer meditação, pois é precisamente o que se tem. Graças à meditação, aprende-se a não querer ir a nenhum lugar diferente daquele em que se está; quer-se estar onde se está, mas plenamente. Para explorá-lo. Para ver o que nos oferece de si.
A dor é o nosso mestre principal. A lição da realidade – que é a única digna de ser ouvida – não a aprendemos sem dor. Na minha perspetiva, a meditação nada tem a ver com um hipotético estado de placidez, como tantos o entendem. Trata-se sobretudo de deixar-se trabalhar pela dor, de lidar pacificamente com ela. Por isso, a meditação é a arte da rendição.
A nós, seres humanos, caracteriza-nos um desmedido afã por possuir coisas, ideias, pessoas… Somos insaciáveis! Quanto menos somos, mais queremos ter. Ao contrário, a meditação ensina que, quando nada se possui, mais oportunidades se dão ao ser.
Quanto mais nos observarmos a nós próprios, mais se desmoronará o que acreditamos que somos e menos saberemos quem somos. Temos de manter-nos nessa ignorância, de suportá-la, de nos tornarmos amigos dela, de aceitarmos que estamos perdidos e de que temos andado a vaguear sem rumo.
Fazer meditação é colocar-se justamente nesse preciso instante: tens sido um vagabundo, mas podes converter-te num peregrino. Queres?
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