O SILÊNCIO LUMINOSO

Fazei de mim uma palavra que ninguém ouça. Uma palavra que fique por dizer. Um silêncio que amanheça todos os dias nos lábios e se deite ao entardecer sobre o leito do mundo. Uma palavra entregue por Deus. A esperança não é ridícula. É o ventre do silêncio e caminha todos os dias na humildade. Caminha em passos pequenos. Faz rua. Passos ínfimos e a rua nítida. Os passos deixam de se ver e a rua fica pronta. Já nenhuma palavra a dizer e a esperança faz o caminho. Jesus é o único caminho. Faz rua. No silêncio a Palavra faz o seu caminho. A esperança diz mais um passo e diz o silêncio luminoso. Podes calar, mas Jesus fala no caminho que trilhas.
DOMINGO
Deus amou tanto o mundo que entregou o seu Filho Unigénito, para que todo o homem que acredita n’Ele não pereça, mas tenha a vida eterna. Porque Deus não enviou o Filho ao mundo para condenar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por Ele. (Jo 3,16-17)
SEGUNDA-FEIRA
Nenhuma palavra precisa ser dita quando basta um gesto. O amor é suficiente e tudo diz a quem espera.
TERÇA-FEIRA
Uma palavra ilumina e um novo silêncio surge. Um silêncio a suplicar por uma Palavra. A luz faz da palavra o seu caminho. O caminho só se faz na Palavra.
QUARTA-FEIRA
Quando o silêncio fala, todas as palavras se calam. Quando todas as palavras deixam de dizer o que têm para dizer, falam as obras. Quando as obras são escondidas, ilumina-se a rua.
QUINTA-FEIRA
A palavra que nos habita é um caminho. A única coisa que desfaz o caminho é o lamento do absurdo.
SEXTA-FEIRA
Ficamos sem caminho quando fechamos as palavras e não deixamos que abram as casas onde habitam os segredos que também nos habitam. O maior segredo: há palavras que custam a carregar.
SÁBADO
Sem palavras diante do absurdo é como uma terra que ninguém habita e onde ninguém nasceu. A palavra é uma pátria. A imaginação é terra que ninguém habita e onde muitos moram.
ORAÇÃO
Dá-nos, Senhor, a Tua luz,
Para olhar a vida
Com olhos de Evangelho.
Ajuda-nos a confiar em Ti,
Com todo o nosso coração,
Para aprender a deixar
Nas Tuas mãos,
Toda a nossa existência
POEMA
Vivemos convivemos resistimos
cruzámo-nos nas ruas sob as árvores
fizemos porventura algum ruído
traçámos pelo ar tímidos gestos
e no entanto por que palavras dizer
que nosso era um coração solitário silencioso
silencioso profundamente silencioso
e afinal o nosso olhar olhava
como os olhos que olham nas florestas
No centro da cidade tumultuosa
no ângulo visível das múltiplas arestas
a flor da solidão crescia dia a dia mais viçosa
Nós tínhamos um nome para isto
mas o tempo dos homens impiedoso
matou-nos quem morria até aqui
E neste coração ambicioso
sozinho como um homem morre cristo
Que nome dar agora ao vazio
que mana irresistível como um rio?
Ele nasce engrossa e vai desaguar
e entre tantos gestos é um mar
Vivemos convivemos resistimos
sem bem saber que em tudo um pouco
nós morremos
Ruy Belo