O DESERTO SEM PALAVRA

Uma vida sem narrativas. Um mundo sem palavras. Um deserto sem caminhos ou estrelas.
Um dia sem sol ou uma noite sem lua. Nada para contar.
Apenas o vento que passa e rodopia. Jesus apenas. Porto de partida e de chegada.
No maior dos desertos. Tu. A areia já não conta o tempo. O espaço espera a Palavra.
Sem ela, a vida é desenhos aos quadradinhos que nem principiam nem acabam. Tu apenas.
Fora de tudo e sem entrar em nada. Um deserto sem instruções na solidão de quem acorda para contar as horas fora de estrada. Tu apenas. No deserto do absurdo? Tu… há sempre as feras que te habitam. Mordem sem consumir… ferem sem matar… a vida rola sem se desenrolar além do desejo profundo de ser porto para se encontrar. Só Jesus vem ao teu deserto para te chamar. A Palavra faz-se caminho.

DOMINGO
O Espírito Santo impeliu Jesus para o deserto. Jesus esteve no deserto quarenta dias e era tentado por Satanás. Vivia com os animais selvagens, e os Anjos serviam-n’O. (Mc 1,12-13)

SEGUNDA-FEIRA
A palavra que modela a tua existência aproxima-te do que és:
um ser próximo a aproximar-se infinitamente do outro.

TERÇA-FEIRA
A arte da escuta é a sabedoria de quem aprende a ser filho.
És gerado pela escuta do outro. Esta gestação é o teu deserto.

QUARTA-FEIRA
O silêncio é sempre maior do que todo o ruído. É a Palavra antes de todas as palavras. Uma Palavra que descodifica todas as outras e te convida à contemplação.

QUINTA-FEIRA
Escuta e ser-te-á dado. Dá e serás escutado. Serás oásis no meio dos desertos humanos.

SEXTA-FEIRA
Louco é quem não escreve no horizonte um porto de partida para se encontrar onde o outro possa traçar linhas para ser.

SÁBADO
Há sempre mais a fazer… há sempre mais amor a dar… há sempre mais a dizer.
Não digas. Escuta. Ama. Não deixes nada por fazer, para que nenhuma graça fique por agradecer
.

ORAÇÃO
Se sois homens e mulheres
Tentados pelo medo,
Se a novidade vos aterra,
Se vos habituastes à rotina,
Se não sabeis para onde ides,
Se vos espanta a cruz…
Não tenhais medo!
Está vivo e caminha,
Como Senhor diante de vós!

POEMA
Cultivar o deserto
como um pomar às avessas:
então, nada mais
destila; evapora;
onde foi maçã
resta uma fome
onde foi palavra
(potros ou touros
contidos) resta a severa
forma do vazio
João Cabral de Melo Neto

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