HOMILIA

Ao sabor da Palavra| Domingo do Bom Pastor

Um coração trespassado como o de Jesus estremece diante de todas as vidas que não vivem em abundância. Há muitas vidas adiadas, sem terem ainda desabrochado e

revelado o melhor de si: a grande vida que as habita. Este é o grande acontecimento Pascal: a vida em abundância que se liberta dentro de cada coração e plenifica as existências que a rodeiam. Há vidas adormecidas, como sementes guardadas, à espera de se fazerem sementeira para a fome e a dor da vida. Há existências feitas com tudo e sem que nada lhes conceda a paz, porque ainda não descobriram a forma de se manifestarem sem ser quando  são torturadas pela dor.

O coração trespassado de Jesus desperta outros corações. A Páscoa é um despertar, para que não haja túmulos na nossa vida e para que nenhuma vida fique guardada na dor que a deixa inviabilizada. Assim se está por aí, numa existência que inviabiliza a vida. Para que nada possa doer, anula-se toda a voz que chama pelo nosso nome para um pouco mais de vida. Há existências que preferem viver em modo de pausa a arriscar a desabrochar para viver. Há quem não queira ser rebanho, por isso reprime toda a voz que desafia a desinstalar opta por uma vida ao bom estilo da fotocópia a cores, quase parecida com o original, mas nunca sendo verdadeiramente vida. Há quem não aceite ser um pastor, para não consentir na dor do seu coração trespassado pelo mal. Há quem traga uma imensa fome de vida, capaz de devorar este mundo e nega-se a sentar-se à mesa onde a vida é servida. Há quem prefira só comer dos esquemas rotineiros para nunca sentir a dor do poeta do mundo, que tudo criou para que todos vivessem verdadeiramente. Há quem nunca lance uma semente de vida, para nunca se alimentar da dor de em nada encontrar o alimento que desperta o desejo de vida eterna.

A vocação de cada pessoa é pascal, um despertar para ser pastor e sacerdote. Uma páscoa em Cristo Jesus. Tu és uma Páscoa de alegria. Será pastor quem fizer da sua existência um sacerdócio. Jesus não chama para arrebanhar, mas para enviar. A vocação de todos é de pôr a mesa para uma refeição que alimenta a humanidade toda e toda a criação. A mesa do Pastor que é Jesus só está completa quando todas as vidas encontrarem um lugar. O único lugar à mesa para a vida, é o lugar do oferecimento. Precisamos de sacerdotes. Não precisamos de mais doutores e mestres, apenas de homens e mulheres simples, que vivam o seu batismo, que mergulhados em Cristo saibam mergulhar toda a realidade no milagre da vida. Precisamos de homens e mulheres com palavras simples, para abrir a porta do coração trespassado, assim como Pedro que, com as palavras despidas de demagogia, fez com que os corações dos seus ouvintes se abrissem. Homens e mulheres com gestos simples, para partirem o pão e repartirem a refeição com a humanidade. E assim fazem da mesa o lugar onde a existência se alimenta do mais profundo de si mesma: da vida, da centelha divina que tudo sustenta. A existência faz-se vida sempre que escuta a voz que chama pelo nome. Ganha consciência e faz-se também refeição.

Precisamos de pastores que sejam sacerdotes e de sacerdotes que saibam que só o são se forem pastores. Precisamos de homens e mulheres graciosos que vivam cada refeição como uma oportunidade para dar um lugar na mesa de Deus para cada um. Jesus chama a todos pelo nome, para que cada um saiba que só ele próprio pode fazer da sua vida um sacerdócio, um oferecimento e que, para isso, precisamos uns dos outros, mas nunca para sermos um rebanho amorfo. Precisamos de porteiros. Precisamos de Homens que saibam abrir a porta a cada instante para que nada fique por viver e tudo seja um milagre de alegria Homens à porta do coração de Jesus, prontos a abrir a porta, sempre que ouvem chamar mais um nome, para o fazerem passar pelo coração trespassado. Só o faz quem estiver treinado nos nomes que se fazem ouvir dentro de nós para mais oferecimento da vida. Quanto mais vida se oferece, mais consciência se tem de que a nossa vida só é vida em verdadeiro oferecimento sacerdotal. Quanto mais vida se oferece mais pastor se deixa fazer, para que nada morra sem antes ter vivido. Precisamos de homens e mulheres felizes, que sejam pastores da alegria com que alimentam os irmãos e os sacerdotes do gozo da vida partilhada.

Uma unção de vida feliz para quem passa pela porta do coração, trespassa a fome de viver e transforma o frugal momento em mesa sagrada.

Há uma mesa para todos e tu tens a missão de fazer com que a tua vida seja pelo menos um lugar para mais um. É assim uma vida sacerdotal, quando o oferecimento da vida se faz em altar e no altar da eucaristia se partilha a alegria da vida unida a Cristo: ser mais um lugar à mesa. A tua vocação é fazer com que a tua vida seja mais um lugar à mesa. É a vocação da alegria pelo milagre da vida que se escuta em cada batida do coração, como possibilidade para esta se revelar. É o ofício do pastor: levar todos ao gozo de uma vida oferecida, para que seja vivida em abundância.

Precisamos de mãos ungidas, abençoadas pelo dom de se fazerem um dom e a todos abrirem a porta para se alimentarem da alegria do dom. Mãos ungidas para abrir a porta onde a vida se dá. Esta é a voz que as ovelhas conhecem: uma vida que se dá. E tudo o que não é dom na nossa vida é um roubo, é furto ao dom, tristeza redobrada. Precisamos de mãos que se experimentem como dom para trabalhar a terra e desta recebam o pão que se faz dom de vida eterna. Mãos que saibam servir à mesa da humanidade, para que esta experimente o gozo do dom de tudo. Para este serviço só temos as nossas mãos! Precisamos de mais mãos felizes, que agraciem e abençoem. Precisamos de mais mãos altar que em Cristo calculam os novos ângulos da cruz.

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